Abraham Lincoln, quando era presidente, escolheu responder a um “Endereço” da Associação Internacional dos Trabalhadores sediada em Londres. O “Endereço”, esboçado por Marx, parabenizava Lincoln pela sua reeleição para o segundo mandato. Em seus parágrafos complexos e ressoantes, o “Endereço” proclamava a consequência do que se tornou uma guerra contra a escravidão.
O “Endereço” declarou que a vitória do Norte seria um ponto de virada para a política do século dezenove, uma afirmação do trabalho livre e a derrota dos mais reacionários capitalistas, que dependiam da escravidão e opressão racial.
Lincoln viu apenas uma porção selecionada minúscula da avalanche de cartas que ele enviou, contratando algumas secretárias para lidar com isso. Mas o embaixador dos EUA em Londres, Charles Francis Adams, decidiu enviar o “Endereço” a Washington. Encorajar todo sinal de apoio para a União foi central à missão de Adam. A Proclamação de Emancipação de janeiro de 1863 cumpriu muito mais facilmente essa tarefa, mas ainda havia algumas frações da elite britânica que simpatizavam com a Confederação e alguns que eram favoráveis a premiá-la com o reconhecimento diplomático se apenas a opinião pública pudesse ser levada a aceitar isso.
O “Endereço” levou, ao lado de Marx, as assinaturas de alguns proeminentes unionistas britânicos do comércio tanto quanto de socialistas franceses e social-democratas alemães. O embaixador escreveu à AIT explicando que o presidente o pediu para levar sua resposta ao “Endereço” deles. Agradeceu-os pelos seus apoios e expressou sua convicção de que a derrota da rebelião certamente seria uma vitória para a causa da humanidade em todo lugar. Ele edclarou que seu país se absteria da “intervenção ilegal”, mas observou que “Os Estados Unidos considerariam suas causas no conflito atual com os insurgentes que mantinham a escravidão como a causa da natureza humana e eles seriam reencorajados a perserverar pelo testemunho dos trabalhadores da Europa.”
Lincoln teria desejado agradecer aos trabalhadores britânicos, especialmente àqueles que apoiaram o Norte apesar do sofrimento causado pelo bloqueio do norte da consequente “fome do algodão”. A aparição dos nomes de alguns revolucionários alemães não o teria surpreendido; a derrota das revoluções de 1848 na Europa teria aumentado a enchente de imigrantes alemães que chegavam na América do Norte. Em uma data mais recente – em 1843 – o próprio Marx pensou em imigrar para o Texas, indo longe tão longe para escrever ao prefeito de Tréveris, sua cidade natal, por uma permissão para imigração. Que caminho a história teria tomado se Marx tivesse se tornado um texano? Jamais saberemos. O que sabemos é que Marx manteve contato com vários dos exilados. Seu ensaio famoso sobre “O 18 de Brumário de Luis Bonaparte” foi publicado em Nova Iorque antes em alemão. Nem todos os émigrés alemães eram radicais, mas muitos eram. Com seus salões de cervejas, suas músicas patrióticas e seus kindergartens, eles ajudaram a expandir a cultura distintivamente puritana do republicanismo. Eles foram educados a desprezar a posse de escravos e chegou uma hora em que quase duzentos mil alemães-americanos se voluntariaram ao exército da União.
Havia uma afinidade entre o nacionalismo democrata alemão de 1848 e a doutrina do trabalho livre do Partido Republicano dos EUA recém estabelecido, então não é surpresa que um número dos camaradas e amigos de Marx não apenas se tornaram fieis apoiadores da causa do norte, embora recebessem comissões seniores. Joseph Weydemeyer e August Willich, ambos membros fundadores da Liga dos Comunistas, foram promovidos antes à patente de coronel e então à de general.
Lincoln teria reconhecido o nome de Karl Marx quando leu o “Endereço” da AIT, desde que Marx era um assíduo contribuidor do New York Daily Tribune, o jornal republicano mais influente dos anos de 1850. Charles A. Dana, editor do Tribune, conheceu Marx antes em Colônia, em 1848, na época em que ele editava o tão lido Neue Rheinische Zeitung [Nova Gazeta Renana]. Em 1852 Dana convidou Marx a se tornar um correspondente do Tribune. Após a década seguinte ele escreveu – com alguma ajuda de seu amigo Engels – mais de cem artidos para o Tribune. Centenas desses foram publicados com o nome de Marx, mas oitenta e quatro apareceram como editoriais sem assinatura. Ele escreveu em uma escala global de assuntos, algumas vezes ocupou duas ou três páginas de um jornal de dezesseis páginas.
Uma vez iniciada a Guerra Civil, os jornais dos EUA perderam interesse na cobertura estrangeira a menos que fosse relacionada diretamente à guerra. Marx escreveu alguns trechos para artigos europeus onde explicava o que estava em jogo no conflito e contestava a reivindicação, amplamente ouvida nas capitais europeias, que a escravidão não tinha nada a ver com o conflito. Frações importantes das elites britânicas e francesas possuíam laços comerciais fortes com o Sul dos EUA, compravam quantidades enormes de algodão plantados por escravos. Mas alguns liberais europeus sem ligação direta com a economia escravagista argumentaram que a secessão dos estados sulistas tinham que ser aceitas por causa do princípio da autodeterminação. Eles atacaram a opção do Norte pela guerra e seu fracasso em repudiar a escravidão.
Aos olhos de Marx, observadores britânicos que afirmavam repudiar a escravidão ainda apoiava os Confederados a serem simplesmente desonestos. Eles atacavam o Norte com uma hostilidade viceral e evidente no Economist e no Times (de Londres). Três artigos afirmavam que as causas reais do conflito era o protagonismo do Norte contra o livre-comércio preferido pelo Sul. Marx replicou seus argumentos em uma série de artigos brilhantes pelo Die Presse, uma publicação vienense que demoliu causticamente seu determinismo econômico e, ao invés de rascunhar uma descrição alternativa – sutil, estrutural e política – das origens da guerra.
Marx insistiu que a secessão foi incitada pelos temores políticos da elite do Sul. Eles sabiam que o poder possuído pela União era inconstante contra eles. O Sul estava perdendo sua mão firme sob as instituições federais por causa do dinamismo do Noroeste, um destino de muitos dos novos imigrantes. À medida que o território do Noroeste amadureceu e se tornou estados livres, o Sul se viu em menor número; o Norte estava relutante em reconhecer qualquer novo estado escravagista. Os donos de escravos expulsaram os nortistas por exigir deles que detivessem e devolvessem os escravos fugitivos. Os donos de escravos, ainda que soubessem que precisavam de um apoio sincero de seus companheiros cidadãos se quisessem defender suas “instituições peculiares”. A eleição de Lincoln foi vista como uma ameaça mortal porque ele não devia nada aos sulistas e prometeu se opôr a qualquer expansão da escravidão.
Marx deu apoio total à causa da União, embora Lincoln inicialmente tenha se recusado a fazer da emancipação um objetivo da guerra. Marx estava confiante que o choque dos regimes sociais, calcados em sistemas opostos de trabalho, cedo ou tarde viria à tona como um problema real. Enquanto apoiava consistentemente o Norte, escreveu que a União só triunfaria se adotasse as medidas anti-escravagistas revolucionárias advogadas por Wendel Phillips e outros abolicionistas radicais. Ele estava particularmente impressionado pelos discursos de Phillips em 1862 chamando pela derrubada de todos os compromissos com a escravidão. Ele citou com aprovação o dito de Phillips de que “Deus colocou o raio da emancipação” nas mãos do Norte e que eles deviam usá-lo.
Marx continuou a trocar cartas com Dana e o enviou artigos (Dana era fluente em alemão). A essa altura Dana deixou o mundo do jornalismo para se tornar os “olhos e ouvidos” de Lincoln como um comissário especial no departamento de guerra, visitando os frontes e relatando à Casa Branca que Ulysses Grant era o homem a se apoiar. Marx argumentou no Die Presse, em março de 1862, que os exércitos da União deveriam abandonar seu cerco estratégico e sua busca por dividir a Confederação em dois. Dana informaria que Grant chegou à mesma conclusão por instinto e experiência. Em 1863, Dana se tornou ministro assistente do departamento de guerra.
Marx ficou encantado quando Lincoln – encorajado pela capmanha abolicionista e por uma radicalização da opinião dos nortistas – anunciou sua intenção de emitir a Proclamação da Emancipação em janeiro de 1863. A Proclamação dificultaria aos governos britânico e francês a premiação do reconhecimento diplomático à Confederação. Isso também permitiu o alistamento de libertos ao exércio da União.
Marx e Lincoln tiveram opiniões bastante divergentes no que tange corporações e trabalho assalariado, mas, da perspectiva dos dias de hoje, eles compartilharam algo importante: ambos abominavam a exploração e consideravam o trabalho enquanto a fonte suprema de valor. Em sua primeira mensagem ao Congresso, em dezembro de 1861, Lincoln criticou o “esforço de colocar capital em pé de igualdade com o, se não acima do, trabalho na estrutura do governo.” Ao contrário, ele insistiu, “trabalho é anterior e independente do capital. Capital é apenas fruto do trabalho… Trabalho é superior ao capital e merece uma consideração muito mais elevada”. Lincoln acreditava que os trabalhadores assalariados eram livres na América para ascender por seus próprios esforços e poderiam se tornar um profissional ou até mesmo um empregador. Marx mantinha essa imagem da mobilidade social como uma miragem e que apenas uma porção poderia ser bem-sucedida em adquirir independência financeira.
Para Marx, o trabalhador assalariado era apenas parcialmente livre desde que ele tivesse que vender seu trabalho para outrém para que ele e sua família pudessem viver. Mas, desde que ele não fosse um escravo, o trabalhador livre poderia organizar e fazer agitação para, diga-se, um dia de trabalho mais curto e por educação livre. Weydemeyer começado uma Federação Americana do Trabalho em 1853, que defendia esses objetivos e que declarou suas fileiras abertas a todos “sem restrição de ocupação, língua, cor ou sexo”. Esses temas se tornaram centrais à política dos seguidores de Marx na América.
O assassinato de Lincoln levou Marx a escrever um novo “Endereço” da AIT para o seu sucessor, com uma homenagem completa ao presidente assassinado. Em seu texto, Marx descreveu Lincoln como “um homem que nem era intimidado pela adversidade nem entoxicado pelo sucesso, que levantava inflexivelmente a bandeira pelos seus grandes objetivos, nunca se deixava levar pela sua pressa cega, amadurecia lentamente seus passos, jamais recuava com eles… fazia seu trabalho titânico como um governante humilde, singelo e celeste faz pequenas coisas com a grandiloquência, o esplendor e classe. Tal era de fato a modéstia desse grande e bom homem que o mundo o descobriu como um herói apenas após ele ter caído em martírio.” Contudo, a perda trágica não poderia evitar que a vitória do Norte abrisse o caminho para uma “nova era de emancipação do trabalho.”
As ações de Andrew Johnson, o novo presidente, logo atrapalharam Marx e Engels. Em 15 de julho de 1865, Engels escreveu para o seu amigo atacar Johnson: “Seu ódio aos negrosse mostraram mais e mais violentamente… se as coisas se seguirem assim, em seis meses todos os velhos inimigos da secessão estarão sentados no Congresso de Washington. Sem sufrágio de cor, nada, não importa o que, pode ser feito ali.” Os republicanos radicais logo chegaram à mesma conclusão.
“No pós-guerra imediato, e graças em partes à publicação do endereço da AIT, a Internacional atraiu muito interesse e apoio dos Estados Unidos.“
Marx estava pondo os toques finais em O Capital: Volume I durante os anos de 1866 e 67 e nesse estágio final incluiu um novo capítulo sobre determinantes do comprimento de um dia de trabalho. Em alguns dias a chamada por um dia de 8 horas emergiu como uma demanda chave em alguns estados dos EUA. Em 1867, a AIT saudou o aparecimento do União Nacional do Trabalho nos EUA, fundada para espalhar a demanda como um objetivo unificador.
Em sua primeira conferência a UNT declarou: “A União Nacional do Trabalho não reconhece nenhum norte, nenhum sul, nenhum leste, nenhum oeste, nem cor nem sexo acerca das questões dos direitos do trabalho.” Dentro do espaço de um ano, oito estados do Norte adotaram o dia de oito horas para os funcionários públicos.
As regiões dos Estados Unidos ofereceram várias possibilidades diferentes de ação política. Apenas a presença de tropas da União no Sul preveniu vigilantes brancos, muitos deles veteranos confederados, de aterrorizar os libertos. Em Tennenssee, Califórnia do Sul e Luisiana, havia congressistas negros que elaborou uma “Declaração de Certos e Errados”, insistindo que a liberdade seria uma chacota se não implicasse em acessos iguais aos ônibus, trens e aos hotéis, escolas e universidades. No Norte e no Oeste, os mais audaciosos dos radicais organizaram frações da Internacional; por volta do fim dos anos 1860 havia cerca de cinquenta seções e uma filiação de talvez cinco mil. Em dezembro de 1871 a AIT organizou uma manifestação em Nova Iorque com a força de setenta mil por simpatia pelas vítimas massacradas na supressão da Comuna de Paris. A multidão exibiu proeminentemente uma milícia negra chamada de os Guardas Skidmore; muitos sindicalistas com cartazes; Victoria Woodhull e as lideranças feministas da Seção 12; uma banda irlandesa; e um contingente que marchava atrás de uma bandeira cubana. Muitos dos sindicatos fundados nessa época incluíram a palavra “Internacional” nos seus nomes.
Mas, por volta do início dos anos 1870, o apoio do Norte à Reconstrução, com sua ocupação expansiva do Sul e suas afrontas audazes contra o preconceito racial, estava começando a decair. Uma onda de escândalos de corrupção esgotou a moral republicana. O problema real, contudo, era que o programa republicano se desfez. Lincoln esperava construir um governo federal forte e de autoridade em Washington e portanto obter respeito pela regra da lei pela União restaurada por completo. Aos olhos de Marx, Lincoln teria construído um tipo de “burguesia democrática e republicana” que teria permitido a emergência de um partido trabalhista dedicado à educação livre, impostos progressivos e um dia de trabalho de oito horas. Essas esperanças foram frustradas. O assassinato de Lincoln, o caos e a reação de Johnson na presidência e o fracasso de Ulysses Grant, seu sucessor, em impor uma liderança moral minaram ou comprometeram a promessa de um governo unido e com autoridade. Marx não se surpreendeu com a emergência de capitalistas “barões ladrões”, nem com a amarga contenda de classe que eles desencadearam. Ele esperava – na verdade ele previa – um tanto mais.
No entanto, o fracasso do estado federal em impor sua autoridade no Sul foi outra maneira, como foi a habilidade dos patrões do Norte em afundar as greves pela implantação de milhares de agentes especiais e homens de Pinkerton.
O fim da escravidão certamente validou um alinhamento momentâneo de Lincoln e Marx. Durante a Reconstrução (aproximadamente nos anos de 1868 e 1869), os libertos podiam votar, suas crianças podiam ir à escola e havia diversos oficiais negros que foram eleitos. No Norte havia ganhos pelo movimento de oito horas e os primeiros esforços para regularizar as corporações ferroviárias.
Mas algo do espírito conservador da república pré-guerra, com sua aversão aos impostos federais, permaneceu na fraqueza do poder federal. Em um desenvolvimento ameaçador, a Suprema Corte declarou que o imposto de renda progressivo, introduzido pela administração Lincoln em 1862, era inconstitucional. Sem o imposto de renda, pagar pela guerra seria muito mais difícil e a futura redistribuição impossível.
Outra movimentação retrógrada foi a decisão da Suprema Corte em interpretar a promessa de tratamento igualitário de “todas as pessoas” na Décima-Quarta Ementa de 1868 – uma medida criada para proteger os libertos – como oferecer proteção às novas corporações, desde que elas também gozassem do status de “pessoas”. O resultado direto dessa decisão foi tornar bem mais difícil que as autoridades locais e federais regularem as corporações (a decisão ainda está em vigor).
A Reconstrução terminou com um acordo entre Republicanos e Democratas que resolveram o impasse do Colégio Eleitoral de 1876 quando confirmaram a autoridade fraturada do estado. Esse acordo permitiu que o candidato com menos votos entrasse na Casa Branca enquanto exigia a retirada de todas as tropas do Sul. Isso deu um campo aberto aos linchamentos.
Dentro de poucos meses o próprio Grant lamentou que as tropas federais que haviam combatido a Ku Klux Klan foram enviadas contra ferroviários durante a Grande Greve de 1877, suprimindo-a sob o custo de centenas de vidas. Trabalhadores americanos resistiram tenazmente, mas com frequência em uma base regional ou de estado por estado.
Para muitos, sindicalismo fez mais sentido do que o partido trabalhista que Marx e Engels advogavam, entretanto a análise penetrante de Marx do capitalismo ainda tinha impacto pessoas tão diversas quanto Samuel Gompers (fundador da FAT), Lucy Parsos (sindicalista, feminista e fundador da IWW) e Eugene Debs (socialista).
A derrota da visão de Lincoln de uma república unificada, democrática e com autoridade foi a derrota dos socialistas também. Não pela última vez, o gênio da Constituição dos EUA, com os vários pesos e contrapesos dela, foi frustrado pelos planos dos progressistas.
Sobre os autores
Robin Blackburn
leciona na Universidade de Essex e é autor de Age Shock: How Finance is Failing Us.